Balé não é coisa prá menino
"Lecco: O Bailarino"
A construção:
Aos 11 anos fiz balé na escola, mas balé não era coisa prá meninos, diziam meus colegas.
Você acha que parei? Claro que não! Continuei.
A professora Fátima me ensinou muita coisa em poucos meses, ganhei sapatilhas e até notas melhores no Diário Escolar.
Claro que eu não levava minhas sapatilhas para casa, minha mãe nem sonhava com isso.
Ela queria mesmo que eu fosse doutor, médico, advogado...
Aliás, tudo menos artista.
- Artista é tudo vagabundo! - Dizia.
Um dia aprendi a fazer Coupé, um saltinho rápido e básico de balé clássico, e cheguei em casa e pus-me a dar pulinhos pela cozinha enquanto mamãe terminava o almoço apressada, pois tinha que ir trabalhar.
Ela parou por um instante, enquanto eu saltitava despercebido e disse:
- Que coisa de viadinho é essa?!
Eu disfarcei. Fui para o quarto e fiquei saltitando em frente ao espelho.
Eu tinha 11 anos.
Eu sonhava ganhar o mundo, fazer escola em Paris, Berlim, Moscou.
Como eu sempre fui esguio, leve, disciplinado, solto (sem confusões), me dava muito bem nas aulas de balé.
Cinco meses depois da primeira aula fiz a minha primeira e única apresentação de balé em público, era uma música linda, na época eu não sabia o nome, hoje sei e a evito: Suíte n. 1 de Bach.
Suíte Nº. 1 de Sebastian Johan Bach
A apresentação foi fantástica, apenas eu e uma menina, que preservarei o nome, dançamos muito bem, aliás, agradamos ao gosto aguçado da professora.
Pena que os meus coleguinhas não gostaram muito da ideia, a partir daí surgiram as brincadeirinhas, as chacotas.
- Oi bailarina! Que sapatilhas lindas.
Coisas do tipo.
Certo dia um menino, o qual eu odiava religiosamente, Gil (mar), ultrapassou os limites e me fez tomar atitudes mais drásticas, o que lhe rendeu alguns pontos na altura do ombro direito.
No final do recreio, eu já estava em minha sala, ele passava no corredor, olhou pela janela e provocou:
- Cadê as sapatilhas, bichinha?
Não pensei uma vez, pulei a janela munido de um estilete feito de uma mistura de tubo de caneta e lâmina de apontador de lápis e o golpeei na altura da garganta acertando-lhe (por sorte) no ombro direito.
A lâmina atravessou a malha do uniforme e penetrou profundamente na carne do menino.
Ele pôs-se a chorar, eu o olhava, enquanto era rodeado por alunos, professores, coordenadores, diretor e por fim, minha mãe.
Resultado:
- Nunca mais vai fazer balé. Coloquei um homem no mundo, não um viado.
Eu tinha 11 anos, não tinha condições de enfrentar isso sozinho.
Esse fato afetou 'grandemente' em minha personalidade, mais tarde uma psicóloga me diria que muitas das minhas limitações com a dança eram provenientes deste ocorrido.
Hoje estou disposto a rever conceitos e voltarei a fazer algumas oficinas de balé, como parte integrante do laboratório de montagem e/ou 'encontro' do meu clown, afinal de contas, este foi um dos meus primeiros sonhos destruídos, ressequidos, abandonados.
4ª noite não dormida de outubro de 2010
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